Sei lá, minha vida não tem e nem
faz mais sentido.
Meu olhar vaga, pairando em todo
o corredor. Mas, que corredor é esse? Onde estou?
As lembranças começam a vir a
tona, coisas belas me aparecem, e como Santo Agostinho falou, o meu palácio de memórias
começa então a se erguer. Vejo com imagens nítidas a primeira palavra que
escrevi – meu nome – , minha festinha do ABC, a primeira vez que andei de
bicicleta.
Aiai, a infância, terra tênue, período que não
pode ser tirado de mim. A inocência de quem nada sabe sobre o mundo. A serenidade,
doçura e ternura emanadas do olhar de um ser tão simples e especial. Começo a
ver o tempo passar, parece até que posso ver o meu primeiro textinho escrito,
minha primeira paixão, ah! A doce e serena primeira paixão, há quem diga que o
primeiro amor jamais é esquecido e sempre é lembrado, e sim, é verdade o que
dizem, jamais esquecerei meu primeiro e grande amor. O tempo continua passando,
as imagens levantam-se e caem por todo o tempo sem parar. Vejo a adolescência chegando
e lá revivo o meu primeiro beijo. As lágrimas já afogam meus olhos, lembro-me
tudo. A felicidade de minha mãe, o entusiasmo do meu pai, os mimos de meus
avós, os carinhos e presentes de meus tios, todos pareciam querer me fazer
feliz, mas o tempo passou.
Ah! O tempo, por que o tempo
existe? Queria ter o poder de para-lo, ele me tormenta. A cada vez que chegava
a data do meu aniversário parecia que iria passar por uma tortura sem fim, cada
numero a mais significava que teria de ter mais responsabilidade e teriam menos
cuidados. Meu peito estremece tomado pela emoção e pelos sentimentos que
circundam cada pensamento. Onde estão todos os que prometeram me amar e me
proteger sempre? Onde estão aqueles que disseram que nunca iriam me abandonar? Onde?
Onde?
O tempo passou e não tem sido
fácil suportar, existe uma grande responsabilidade e carga de expectativas
sobre mim e não estou nada bem. Meu corpo está intacto, mas minha mente padece.
Estou sozinho e perdido, todos querem apenas resultados. Meus pais não me veem
mais como seu filho, para eles sou apenas um investimento financeiro em longo
prazo. Meus avós não se encontram mais conosco para me defender. Meus tios se
dispersaram, mal os vejo e quando vejo-os as perguntas sempre são as mesmas. “Como
está no trabalho? E na faculdade?”. Parece até que eu não existo mais, o que
existe de mim é apenas meu estudo e meu trabalho, ninguém se importa comigo.
Hoje estou completando 19 anos,
curso o 4º semestre de medicina (meus pais me forçaram a cursar), trabalho como
monitor, mas o mais importante é que não sou nem estou feliz. Decidi escrever
essa carta para dizer que ainda existo e se para vocês eu não existo e nada
mais sou do que a faculdade e meu trabalho, não existe mais razões para eu
viver e continuar aqui.
(levanto-me, subo na minha cama,
posiciono a corda no meu pescoço, tiro do meu bolso a caneta e o papel para
escrever minhas ultimas palavras)
“Antes que me julguem, a dor que
sinto hoje está insuportável, não consigo mais viver assim, hoje estou aqui
fazendo o que sempre me disseram, vou em busca da minha felicid...”